terça-feira, 8 de novembro de 2011

Exemplo na TV e na vida real

Todos sabemos que ainda há poucos programas de TV protagonizados por negros de forma não estereotipada

Um Maluco no Pedaço, com Will Smith no início da carreira
No Brasil, podemos ver algumas séries norte- americanas, principalmente cômicas, com famílias negras de classe média ou alta, a exemplo de Bill Cosby Show, Um maluco no pedaço, Eu, a patroa e as crianças, Todo mundo odeia o Cris, As Visões da Raven, Cory na Casa Branca e Kenan & Kel, entre outras. Mas não sei o efeito dessas séries sobre a construção da identidade e na autoestima dos telespectadores afro-brasileiros.

Na minha adolescência, porém, nos anos 60 e início dos 70, a TV Record – a mais importante emissora da época – exibiu Julia, um sitcom sobre uma enfermeira negra e viúva (o marido morreu no Vietnã), que lutava para criar seu filho pequenino. Julia tinha dignidade, elegância e não era servil. Naqueles anos de efervescência das lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos, a série, produzida entre 1968 e 1971, teve grande aceitação tanto em seu país de origem quanto em todos os lugares em que foi exibida. Mostrava uma possibilidade de convívio inter-racial harmônico, sem esconder as dificuldades de uma chefe de família negra, coisa bastante comum na realidade brasileira.

Diahann Carrol e Marc Copage, astros da sitcom Julia, exibida nos anos 60
A personagem Julia Baker era interpretada por Diahann Carroll, e o filho Corey, pelo ator mirim Marc Copage, com poucas aparições posteriores no cinema e na TV. Ao contrário dele, Diahann, que também é cantora e lançou 12 discos (entre eles, a ópera Porgy and Bess, de George Gershwin) figura entre as grandes estrelas norte-americanas de todos os tempos. Foi a primeira atriz negra a ganhar, em 1962, o Prêmio Tony (o Oscar do teatro), pelo musical No Strings (algo como “amizade colorida”, um relacionamento íntimo, sem compromisso). Faturou também um Globo de Ouro, por Julia, em 1968, e teve várias indicações ao Oscar e ao Emmy. 

Diahann Carroll foi uma das homenageadas por Halle Berry ao receber o Oscar de melhor atriz, em 2002, por A Última Ceia. Hoje, com 76 anos, Carrol é ativista da campanha contra o câncer de mama. Ela própria sobrevivente da doença, convidou uma equipe de filmagem para documentar em seu quarto de hospital todo o seu tratamento. As imagens se constituíram num programa especial, exibido em rede nacional nos EUA. Se Julia era exemplo de luta da mulher negra, sua intérprete se tornou um símbolo para todas as mulheres do mundo.





"NAQUELES ANOS DE EFERVESCÊNCIA DAS LUTAS PELOS DIREITOS CIVIS NOS ESTADOS UNIDOS, A SÉRIE, PRODUZIDA ENTRE 1968 E 1971, MOSTRAVA UMA POSSIBILIDADE DE CONVÍVIO INTER-RACIAL HARMÔNICO, SEM ESCONDER AS DIFICULDADES DE UMA CHEFE DE FAMÍLIA NEGRA, COISA BASTANTE COMUM NA REALIDADE BRASILEIRA"







Eu, a patroa e as crianças. Negros bem sucedidos são comuns na TV norte-americana

Otelo, sem medo da verdade

Viva o Youtube! Além de nos permitir ver inúmeras novidades em vídeo, me ajuda a rever momentos ímpares da TV brasileira

Como aquele, em 1970, quando tentaram massacrar o ator Grande Otelo, no programa Quem tem medo da verdade?. Para quem não viu ou já não se lembra desse programa – um dos pioneiros do sensacionalismo na televisão, exibido pela TV Record de 1968 a 1971 – era uma espécie de tribunal que submetia a julgamento um artista ou personalidade pública, com acusação, defesa e júri, que debatia com a pessoa julgada, sob a direção de Carlos Manga. As acusações a que Grande Otelo se expôs, até então desconhecidas do público, foram: o alcoolismo; se dedicar à boemia e não poupar para a velhice; agressões físicas a pessoas quando embriagado; e descumprir compromissos profissionais, causando prejuízos a diretores e companhias cinematográficas. Me lembro ainda hoje das lágrimas de Otelo, tentando se defender, apoiado por José Carlos Burle, um dos criadores da Atlântida, que o dirigiu em Moleque Tião (1943), o primeiro filme protagonizado por Otelo.


"EU ABSOLVO ELE, PORQUE É UM GRANDE ARTISTA E UM GRANDE AMIGO MEU E DAQUI A POUCO NÓS VAMOS SAIR JUNTOS POR AÍ PARA TOMAR UMAS E OUTRAS"

Colocando e tirando os óculos – cacoete que marcava sua figura bizarra, num misto de jurado e advogado do Diabo –, o histriônico Crécio Ribeiro vociferava as acusações contra o ator, desconsiderando a qualificação de “gênio” que Grande Otelo recebeu do cineasta americano Orson Welles, quando e veio ao Brasil, na década de 40, filmar It’s All True (É Tudo Verdade). Paulo Azevedo, um boyzinho, também o julgou culpado, afirmando que Otelo jamais deveria ter deixado de ser o “Bastião Carroceiro de Uberlândia, para se aventurar em ser ator”. Até o apresentador Sílvio Luiz o condenou pelo que chamou de “punição para alertar a outros que queiram se entregar ao alcoolismo”.

Só dois membros do júri o inocentaram: o primeiro bicampeão olímpico de salto triplo, Adhemar Ferreira da Silva, que agradeceu ao ator por tudo o que fez pelo cinema brasileiro (atuação impecável em mais de 50 filmes), e o compositor Adoniran Barbosa. Chamado a justificar seu voto, Adoniran respondeu: “Eu absolvo ele, porque é um grande artista e um grande amigo meu e daqui a pouco nós vamos sair juntos por aí para tomar umas e outras”. Só esse voto deveria valer por todos os demais. Mas, no final, Otelo chorou muito ao ouvir que foi considerado culpado. Meses depois, chegou aos cinemas o filme de Joaquim Pedro de Andrade, Macunaíma, estrelado por Grande Otelo. Nas telas, como uma resposta para todos os seus acusadores, estava o gênio exaltado por Welles.

Os saltos de Adhemar...

Nunca é demais relembrar aquele que foi um dos mais importantes atletas brasileiros, mas que não se contentou em apenas brilhar no esporte

Peço licença ao jornalista Antonio Lucio para contar um episódio da vida de Adhemar Ferreira da Silva, que li em seu boletim eletrônico Bureau Polcomune – Política & Comunidade Negra –, num texto assinado por Orlando Brito. A nal, nunca é demais relembrar aquele que foi um dos mais importantes atletas brasileiros, mas que não se contentou em apenas brilhar no esporte. 


"SOU GRATO AO SR. PREFEITO, POIS FOI PULANDO OS BURACOS DA CIDADE QUE REUNI FORÇAS PARA DAR AO BRASIL UMA MEDALHA DE OURO"

Antes de contar o ocorrido, é fundamental que os mais jovens saibam que não conheceram e, possivelmente, jamais conhecerão alguém como Adhemar Ferreira da Silva, o “Sr. Superação”. A começar pela origem. 

Quando nasceu, em 1927, o bairro de Casa Verde, onde seus familiares residiam, era considerado uma periferia distante num morro do outro lado do Rio Tietê, para onde foram encaminhadas as famílias negras retiradas dos porões, vilinhas e cortiços da região central da capital paulista. Filho único de um ferroviário com uma cozinheira, magérrimo, muito alto, provavelmente tenha sido vítima de preconceitos e do que hoje chamam de bullying. Sua reação foi se dedicar ao atletismo. Escolheu para isso o salto triplo. Conquistou sua primeira medalha de ouro nas Olimpíadas de Helsinque, em 1952, ao saltar 16,20 metros. Quebrou seu próprio recorde, quatro anos mais tarde, em Melbourne, saltando 16,36 metros. A partir daí, sua vida foi de salto em salto. Participou da montagem de Orfeu da Conceição, do Teatro Experimental do Negro (TEN), de Abdias do Nascimento, e também do lme Orfeu Negro, ganhador do Oscar de lme estrangeiro. Se formou escultor pela Escola Técnica Federal de São Paulo, professor de Educação Física, advogado e relações públicas. Poliglota, foi diplomata e ocupou o cargo de adido cultural da embaixada brasileira em Lagos, na Nigéria. Eu me orgulho de ter gozado de sua amizade, assim como sou amigo de sua lha, a ótima cantora e jornalista, Adyel Silva, com que trabalhei na TV da Gente, de Netinho de Paula.

Mas vamos à história prometida. Funcionário público na Prefeitura de São Paulo, depois da primeira conquista do ouro olímpico, ele era chamado para participar de inúmeras competições Brasil afora e pela América Latina. Em 1953, foi obrigado a se ausentar do trabalho por 30 dias para uma competição no Chile. 

Ao retornar, soube que o prefeito Jânio Quadros – famoso por seu perene mau humor – havia mandado descontar de seu salário os dias de ausência, a rmando que “a repartição não era lugar de vagabundos”. A resposta do atleta não poderia ser melhor: “Sou grato ao Sr. Prefeito, pois foi pulando os buracos da cidade que reuni forças para dar ao Brasil uma medalha de ouro”. As aspas são minhas, mas a presença de espírito e o excelente bom humor, estes sim, eram a melhor marca de Adhemar Ferreira da Silva. Consultei Adyel e ela me contou que, ao chegar do Chile, para onde foi representar o Brasil com autorização de seus superiores, mais que o desconto salarial, Adhemar descobriu que tinha sido demitido por ordem de Jânio, o que causou muitos protestos. Numa atitude política, Samuel Wainer, diretor do jornal Última Hora, o contratou como colunista. No nal dos anos 80, eleito novamente prefeito de São Paulo, o polêmico Jânio 

Quadros ordenou a seu chefe de gabinete que telefonasse a Adhemar convidando-o a ir ao palácio. Ele atendeu ao convite e, pasmem, o prefeito se desculpou pela intempestividade de mais de trinta anos antes. 

Viver é se surpreender a cada dia!


 A droga não foi seu fim

Volta e meia recebemos e-mails mostrando a decadência da linda cantora, atriz e modelo Whitney Houston, sucumbida pelas drogas, mas, e sobre sua luta para dar a volta por cima, ninguém fala nada?

Existe um prazer mórbido de parte dos remetentes, ávidos em provar que personagens como ela não merecem a admiração por suas boas realizações, já que não tiveram força para resistir ao vício. O que tais e-mails não informam, por exemplo, são suas referências positivas e sua luta para dar a volta por cima. Por exemplo, ninguém comenta que Whitney Houston está no Guinness World Records como a artista mais premiada de todos os tempos. São 415 prêmios até 2010, entre eles, dois Emmy, seis Grammy, 30 Billboard Music Awards, e 22 American Music Awards. Nem que ela vendeu mais de 170 milhões de discos por todo o mundo, um fenômeno, considerando que sua primeira gravação solo foi em 1985. Sua turnê mundial com o show I’m Your Baby Tonight foi recorde de público e ela capitalizou esse sucesso realizando um concerto, intitulado Welcome Home Heroes with Whitney Houston. Isso sem falar de sua elogiada atuação, no ano seguinte, ao protagonizar com Kevin Costner o filme O Guarda-Costas, que faturou mais de 500 milhões de dólares. Outros filmes se seguiram...



"NÃO ACREDITO QUE NÃO VÁ SENTIR NUNCA MAIS O DESEJO DE USAR ESSAS DROGAS. SÓ BASTA UM MINUTO PARA TIRAR ESSES PENSAMENTOS DA MINHA CABEÇA! ORO E ELES SE VÃO"

As notícias de seu envolvimento com drogas tiveram início já no século 21. Ela própria admitiu a dependência química em várias entrevistas a partir de 2002. Mas, ao mesmo tempo, lançava um sucesso atrás do outro e suas performances ainda provocavam lágrimas de quem a via no palco, como ocorreu com Celine Dion, ao assistir ao show de Whitney no World Music Awards. 

Em dezembro de 2006, ela foi capa da RAÇA BRASIL por conta de sua recuperação com relação ao vício das drogas e de álcool. Mas os emails sobre sua drogadicidade continuaram circulando, destacando a imagem cruel de uma viciada irrecuperável. Três anos depois, no The Oprah Winfrey Show, ela declarou: 

“Não acredito que não vá sentir nunca mais o desejo de usar essas drogas. Só basta um minuto para tirar esses pensamentos da minha cabeça! Oro e eles se vão.” Tomara que Whitney Houston não tenha voltado a consumir drogas e álcool. Mas, mesmo que não consiga resistir, é muito melhor lembrarmos de suas contribuições artísticas que tanto bem fizeram à humanidade contemporânea do que nos deleitarmos com o aparente fracasso de uma diva.

FAUSTINO, Oswaldo. Exemplo na TV e na vida real. RAÇA BRASIL. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/157/artigo226196-3.asp. Acesso em: 08/10/2011.

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