sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Vitimização do negro nos livros estimula preconceito, diz historiador

O tratamento do negro como vítima nos livros de História do Brasil reforça o preconceito racial, afirma o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Washington Luís e Floriano Peixoto
"O padrão ainda é de redução, nos livros didáticos, do negro à vítima da história brasileira, vítima da sanha colonizadora, vítima da sanha do branco", afirmou Florentino, em entrevista à BBC Brasil.

"Isso dificulta o processo de identificação social das nossas crianças com aquela figura que está sendo maltratada o tempo todo, sempre faminta, maltrapilha."




Washington Luís e Floriano Peixoto seriam exemplos de mestiços que passaram para a história como brancos

Segundo Florentino, não se trata de negar os abusos aos quais o negro foi submetido durante a escravatura, mas de mostrar como, apesar desse contexto, também participou, de maneira positiva, da formação do Brasil.

O historiador, autor de livros como Em Costas Negras, sobre o tráfico de escravos, destaca, por exemplo, que, dentre todas a sociedades escravagistas americanas, a brasileira foi a que conheceu os maiores índices de alforrias. "Isso não é devidamente tratado pela grande parte dos nossos livros", disse.

Por outro lado, figuras que, por serem mestiças, conseguiram se libertar do legado da escravidão e se destacar na vida pública passaram para a história como brancos.

"Rui Barbosa, por exemplo, só é branco no Brasil", disse Florentino.

"Você pega presidentes como Floriano Peixoto. Ele é o típico caboclo brasileiro, índio misturado com negro. Você pega Rodrigues Alves e Washington Luís. São pessoas que, de acordo com um sistema de classificação anglo-saxão, não são exatamente brancos."

Esse fenômeno faz parte da chamada "ideologia do branqueamento", pela qual indivíduos de ascendência negra tentavam se passar por brancos para ascenderem socialmente.

Florentino sustenta, porém, que a ideologia do branqueamento e o preconceito racial vêm perdendo força na sociedade brasileira, principalmente nas camadas menos favorecidas.

Uma prova disso, diz ele, é a composição dos chamados casais mistos. Se até 30 ou 40 anos atrás, a maioria deles era formada por homens brancos ou mais claros e mulheres negras ou mais escuras, hoje, a composição típica se inverteu, com mais mulheres claras e homens escuros. 

"Tradicionalmente, desde a época colonial, o veículo de branqueamento tem sido as mulheres. Eram elas que buscavam branquear as suas gerações, quando podiam, através do casamento com homens brancos. Hoje, é a mulher branca que busca homens negros."

História Afro-Brasileira

Uma lei federal de 2003 tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, "no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras".
Embora pouco aplicada na prática, algumas escolas promovem programas de valorização da cultura afro-brasileira, com apoio do governo federal.

Há um ano, a professora de matemática Olivia Maria Batista de Oliveira tenta ensinar aos alunos, na sua maioria negros, que eles não aparecem apenas como sujeitos de maus tratos na história brasileira.

"Tem a parte triste, mas tem a questão da resistência, das outras formas de contribuição", diz a professora, que leciona numa escola de Barbacena, em Minas Gerais. "Temos que mostrar que houve luta, resistência, que isso contribuiu para a força do povo brasileiro."

Para o historiador Manolo Florentino, entretanto, o enfoque na "historiografia da resistência" é uma das razões pelas quais os alunos têm dificuldade de se identificar com as populações escravizadas.

"Ao apontarem para os aspectos unicamente patológicos da escravidão, o que resta a eles é mostrar que a única forma de resistência é a fuga, é a formação de quilombos, quando na verdade a constituição de identidade negra brasileira, desse agente socialmente ativo, se dá dentro da escravidão, dentro da sociedade, que está em processo constante de conflito, mas também de negociação."

Já a professora Olivia acredita que é importante mostrar que os africanos e depois os afro-brasileiros resistiram à dominação, e diz que o projeto já deu resultado na auto-estima e no desempenho dos alunos.

"Já deu para sentir perfeitamente mudança do comportamento: como cresceram, se sentem mais seguros", conta Olívia. 

Ela cita o caso de uma aluna da sétima série que tinha grandes dificuldades para aprender e se relacionar com os colegas.

"Ela virou outra pessoa. Hoje participa de todas as atividades. Antes, só chorava porque ninguém queria dançar com ela, os meninos a chamavam de 'tição'. Ela ainda tem dificuldade, mas participa, não está mais preocupada com as provocações".


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