quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A África de cada um de nós

A África tem sido estereotipada desde a colonização do novo mundo, os olhares preconceituosos sobre o continente e seus descendentes foram tão perversos que só recentemente admitiu-se o óbvio, de que lá é o berço da humanidade


*Maurício Pestana é presidente do Conselho Editorial da RAÇA BRASIL
Compreender a presença africana em nós é mergulhar num misterioso mundo de emoções, em que o passado, o presente e o futuro se confundem muito além da cor da pele, no espírito, em um jeito de ser e de se expressar diante da vida e da natureza, não melhor ou pior, mas diferente, respeitando e preservando nossa própria existência. A África tem sido estereotipada desde a colonização do novo mundo, os olhares preconceituosos sobre o continente e seus descendentes foram tão perversos que só recentemente admitiu-se o óbvio, de que lá é o berço da humanidade e que o nosso futuro passa diretamente pela sua sobrevivência.


Durante o século XX, após o saque, as espoliações e a partilha, iniciou-se um processo de humilhação, negação e rebaixamento moral africano, algo jamais realizado na história da humanidade. Para isso todas as ferramentas desenvolvidas de propagação do ódio racial foram usadas: o cinema, a televisão, a literatura, enfim, a cultura ocidental utilizou o máximo de seus instrumentos para inferiorizar os povos daquele continente.


A propaganda remetia sempre a um lugar habitado por primitivos, desprovido de qualquer instinto civilizatório, dependentes extremos de um grande líder branco que os dominasse e os protegesse. Surgiram assim personagens como Tarzan - no cinema e na TV - o Fantasma nas histórias em quadrinhos e dezenas de outros personagens e séries apresentando os africanos como seres racialmente inferiores e dominados por brancos colonizadores.


Tentaram apagar milhões de anos de história da civilização africana, que dominou o planeta com tecnologia, matemática e engenharia que até hoje desafi a nossos cientistas, vide as
magníficas e indecifráveis pirâmides do Egito. O que dizer então da religião de matriz africana, a mais antiga do planeta (com seus mais de cinco mil anos), que traz na sua essência o respeito e a preservação da natureza, e os tesouros africanos, surrupiados, saqueados e exibidos em acervos particulares e públicos nas metrópoles ocidentais?


O Brasil, maior país negro fora da África e também o maior herdeiro desta cultura milenar, tem exercido um papel inexpressivo nesse contexto. Nosso país repetiu no século passado a mesma política colonialista e racista sobre a África. Se perguntarmos a um brasileiro comum sobre o continente africano, invariavelmente a resposta será a mesma: é um lugar com leões, girafas e um povo miserável, esquecendo-se que, mais da metade de nossa população é descendente direta dos povos africanos e o que somos na culinária, nas artes, no jeito de ser, pensar a vida e até de jogar o nosso fabuloso futebol, é refl exo direto dessa presença em nossas veias. Renegamos isso e convivemos cotidianamente com frases racistas do tipo: o futebol africano é ingênuo e não se desenvolveu, mesmo tendo eles nos tirado duas vezes de olimpíadas.


Esquecemos também que na África existem 56 países, sendo que alguns integram o seleto grupo dos maiores produtores de petróleo do mundo. Ainda lá está a maior reserva de diamantes do planeta, incalculável também são as riquezas do subsolo africano que, somente agora, começa a ser explorado e, infelizmente, disputado por grandes potências. Hoje graças a árdua luta do movimento negro brasileiro existe uma lei obrigando o ensino da verdadeira história da África e de seus descendentes nas escolas. Esperamos que, ao apito do juiz, dando início a mais uma Copa do Mundo - a primeira na África - seja dada também uma aula de respeito, solidariedade e de gratidão com aquele continente no qual a humanidade ainda tem uma grande dívida a ser sanada.


PESTANA, Maurício. A África de cada um de nós. RAÇA BRASIL. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/144/artigo176002-1.asp. Acesso em: 16/11/2011.

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