quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ensino afro: humanamente possível

Avançar na construção de práticas educativas e pedagógicas não é uma tarefa fácil. Romper preconceitos, superar velhas opiniões e explicar a desigualdade racial no Brasil requer uma dinâmica própria em que vários caminhos podem ser trilhados 

Yomar Seixas, Ricardo Carvalho e Zé Carlos Bastos formam o Grupo Humanas
  
África: um continente que sorri para o futuro
Descobrir esses caminhos foi o que fizeram três professores baianos na primavera de 2007, quando decidiram cruzar a distância que o separava deles mesmos, numa viagem de volta aos ancestrais. O destino? Angola, no Conti nente Negro. Zé Carlos Bastos, Yomar Seixas e Ricardo Carvalh o, professores de Português, Geografia e História, respectivamente, trouxeram de lá um farto material didático, depoimentos fortes e comparações pertinentes entre a África que enxergamos e a África que existe, de fato. O resultado, aliado a imagens e depoimentos colhidos em Salvador, deu origem ao documentário África e Africanidades - Mbondo, Nossas Raízes Africanas, do Grupo Humanas, que já vendeu mais de 20 mil cópia s. “O documentário ficou maravilhoso, melhor do que esperávamos, porque na realidade queríamos usar esse material na sala de aula, enriq uecer nosso en sino e mostrar aos no ssos alunos como a África se parece com o Brasil e como o Brasil deve tanto a África”, conta Yomar. O Grupo Humanas é mais um a colaborar na execução da Lei 10.639, que determina o ensino de História e Cultura da África e Tradições Africanas nas escolas do Brasil. Professores de Ciências Humanas, nascidos em bairros populares de Salvador, os três amigos já trabalharam com várias temáticas, mas a questão racial sempre os incomodou. E isso não tem nada a ver com a cor de suas peles. Brancos? “Preferimos afrodescendentes de pele clara, como já nos definiu o amigo Jorge Portugal. A consciência vem de muito estudo, de uma descendência negra direta, da origem humilde e da convivência em uma cidade onde, apesar de atavismos racistas inevitáveis, ser negro é referência. Referência de luta, de coragem, de beleza e resistência”, afirma Zé Carlos, coordenador do Grupo Humanas.


"O GRUPO HUMANAS FAZ PALESTRAS, SEMINÁRIOS E AUL AS INTERDISCIPLINARES PARA ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES E AS SAL AS ESTÃO SEMPRE LOTADAS"


A ideia de ir a Angola e trazer de lá algo que pudesse fomentar em crianças e jovens o interesse por sua própria história não foi um projeto fácil. Sem dinheiro, os três contaram com o apoio de políticos baianos ligados à questão racial. “A vereadora Olívia Santana e o deputado Valmir Assunção nos aju daram, acreditando que esse projeto poderia trazer algo de bom e que contribuísse na redução da desigualdade. 

Mas quem realmente deu o impulso maior foi o Gilberto Gil (então Ministro da Cultura) que nos indicou artistas e músicos como o Felipe Mukenga, Corneliu Calei – um dos maiores historiadores da África – e tantos outros que abriram caminhos e nos abraçaram. Nossa intenção era fazer com que a lei fosse aplicada de uma forma que, além do didatismo, tivesse um discurso ideológico, de visibilidade”, ressalta Ricardo Carvalho. Para o grupo, falta maturidade acadêmica de algumas instituições e uma ação mais incisiva do Ministério Público para que a Lei 10.639 seja cumprida. Mas o principal é a carência de material didático. O bom é saber que a receptividade é grande. O Grupo Humanas faz palestras, semin ários, aulas interdisciplinares para alunos de escolas públicas e particulares e as s alas estão sempre lotadas, tamanho é o interesse pelo assunto.   

LUANDA E SALVADOR: DUAS ÁFRICAS
No roteiro dos três professores em Luanda, capital de Angola, muitas surpresas e emoções. “A gente ouviu muito dos africanos que eles conhecem mais o Brasil d o qu e os b rasileiros conhe cem a África. Isso é uma coisa que precisa ser revista”, alerta o grupo. E pelas ruas, cada depoimento foi, segundo os professores, um sobressalto e uma emoção que, muitas vezes, os levaram às lágrimas. “Intelectuais, artistas e gente do povo com uma consciência histórica e um orgulho de sua africanidade de dilacerar a nossa visão estereotipada de uma África frágil e caótica. O professor Cornélio Kaley e sua ciência emocionam, o motorista que espontaneamente narra os horrores da guerra ou o anônimo que grita com a força moral das ruas. ‘Meu avô saiu daqui escravo! (...) Deus fez o branco, o mulato e o negro, porque o negro é que foi escravo?’. São versos nobres que engrandecem o documentário.’”, observa Zé Carlos.

E quais seriam as semelhanças e diferenças entre as duas Áfricas – Luanda e Salvador – a partir das impressões dos professores baianos? “Social e racialmente, estivemos pis ando na mesma cidade, apesar de continentes diferentes. Obviamente o contingente de brancos é menos visível em Luanda. São cid ades negras e, o mais import an te, cidades ‘de negros’. Luanda ainda vive as sequelas da guer ra, q ue nã o atingiu d iretamente a c i dade, mas as feridas abertas ainda se percebe pelos sentimentos que cortam muitas vezes, com dor e angustia, os depoimentos que recolhemos”, analisa Yomar Seixas. A experiência adquirida por Zé Carlos, Yomar e Ricardo, rendeu, além de mais conhecimento sobre as questões africanas e suas próprias raízes, outro documentário do Grupo Humanas: A Cor do Racismo, tema que aparece de forma paralela nos depoimentos e narrativas do primeiro documentário.

"A GENTE OUVIU MUITO DOS AFRICANOS QUE ELES CONHECEM MAIS O BRASIL DO QUE OS BRASILEIROS CONHECEM A ÁFRICA. ISSO É UMA COISA QUE PRECISA SER REVISTA"

Além do material didático, o Brasil precisa de professores qualificados e atualizados, com atitude e consciência nas questões das desigualdades raciais, e ainda um esforço de querer fazer acontecer em todos os âmbitos da sociedade para que a realidade da educação rompa os preconceitos criados ao longo da História. A pergunta que fica é: a sociedade brasileira e, principalmente os políticos, querem mesmo modificar essa realidade?




RODRIGUES, Marla.  Ensino afro: humanamente possível. RAÇA BRASIL. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/147/artigo184972-1.asp. Acesso em: 16/11/2011.

2 comentários:

Yomar Seixas tem iphone, ipad, usa Nike e Kalvin Clain...
Muitas pessoas sabem a origem de produção desses produtos. Preciso dizer mais alguma coisa?
E outra... O fim do seu texto foi bem clichê, parecendo conclusão de redação de ginásio: "Além do material didático, o Brasil precisa de professores qualificados e atualizados" Quem disse que o Brasil não dispõe disto? Só são os qualificados e atualizados, como você falou, os que aparecem é? Você acha mesmo que só porque o cara vive uma vida anônima, ensinando com maior prazer do mundo em escolas públicas, ele não é atualizado nos assuntos quanto a questão das desigualdades sociais e raciais? E atitude muitos tem, só não contaram com a sorte de ter um contato para se chegar em Gilberto Gil, por intermédio de Jorge Portugal e seus alicerces(Rede Bahia), fora os outros políticos envolvidos.
Seu texto poderia ser mais natural, tender menos para um lado, deveria pensar no lado dos outros profissionais que tem o mesmo prazer em fazer, mas sem as oportunidades.

Caro Portuga,

veja no final do texto a referência bibliográfica. Este texto não é meu, e sim de uma colunista da revista "Raça Brasil".

Obrigado pelo seu comentário.

Abraço,

Estudos da África

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