Grandes estrelas da música, da dança e do cinema subiram aos palcos das mais importantes casas de espetáculo do país, levantaram plateias e deram ainda mais brilho a momentos áureos na área cultural
Josephine Baker, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Dorothy Dandridge, Joyce Bryant, Eartha Kitt, Lena Horne e Katherine Duram. Da década de 50 até os anos 80, o Brasil viu passar pelo país, como cometas radiantes, cerca de uma dezena de artistas negras internacionalmente célebres.
A maioria – instintivamente ou não – também fez questão de ir ao encontro daquilo que as identificava, de alguma maneira, com a realidade e a cultura afro- brasileiras. Houve também quem, durante a estada no país, tenha vivido amores, arrumado confusões e atritos com a imprensa. No livro As divas no Brasil, o autor Evânio Alves – afrodescendente assumido – traz histórias e fotos que registram as visitas de cerca de 80 celebridades estrangeiras ao país. Sucesso de púbico e crítica, a narrativa sobre as divas negras incluída no livro ganham destaque nas páginas da RAÇA BRASIL.
Lena Horne
“Não foi do café, não foi do Pelé, nem do carnaval, foi da Bossa Nova que mais gostei no Brasil.” A declaração é da atriz negra americana Lena Horner, dada aos jornalistas da revista O Cruzeiro, durante entrevista concedida no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, em 1960. Turner estava em turnê no país, e, naquele dia, também confessaria aos profissionais de imprensa quem era seu grande ídolo no Brasil: o jovem compositor e cantor João Gilberto, não muito conhecido naquela época. Os jornalistas se apressaram em aproximar os dois artistas. Foi um encontro de talentos que trouxe grande felicidade à estrela. Lana, aliás, não vivia uma boa fase na vida pessoal e profissional quando chegou aqui. Apesar de viajar ao lado do marido, não estava bem no casamento. “Sua carreira stava em fase difícil, uma vez que, depois de ser acusada de ser esquerdista pelo Comitê de Atividades Antiamericana, ficou sem trabalho no cinema. Com isto, a artista tinha que se manter para arrecadar dinheiro e já havia quatro anos que não fazia um filme”, diz Evânio. Mas os brasileiros amaram a voz aveludada e a presença cativante desta mulher talentosa, delicada e guerreira.
Josephine Baker
Era o ano de 1929. O ator Grande Otelo, então um menino de 11 anos, conseguiu driblar a segurança do teatro do Lord Hotel, em São Paulo, onde a americana Josephine Baker se apresentava. Ele, assim como centenas de pessoas, queria ver "Vênus Negra". Assim a artista ficara conhecida, depois que seus shows no Folies-Bergére, em Paris, a lançaram para o sucesso mundial como uma das rainhas do vaudeville. na França tinha 20 anos e chegava ao Brasil na sua primeira turnê internacional.
Antes de subir ao palco, em São Paulo – onde foi censurada pela Igreja por apresentar-se praticamente nua – Miss Baker havia feito shows no Teatro Cassino, no Rio de Janeiro. Dez anos depois, em 1939, ela e Otelo dividiriam o mesmo palco, como protagonistas do espetáculo Casamento de Preto.
Josephine Baker, pintura de Evânio Alves |
Tão talentosa quanto intempestiva, Josephine aprontou muito por aqui. Mas outro lado da artista também deve ser destacado: o compromisso assumido ao longo de toda a vida com a defesa dos direitos humanos, principalmente através da luta racial. “Após abandonar o seu país, voltou lá por duas vezes e nestas duas visitas sofreu terríveis atos de preconceito. Apesar do sofrimento pela humilhação, Josephine nunca baixou a cabeça e, como exemplo, adotou 12 crianças de nacionalidades diferentes para mostrar que a humanidade podia viver em harmonia”, conta Evânio.
Ella Fitzgerald
Ella Fitzgerald se apresentando em São Paulo, em 1960 |
Marilyn Monroe, nem todos sabem, teve papel decisivo na carreira da mundialmente famosa Ella Fitzgerald. “Ainda no início de estrada desta notável cantora afro-americana, Marilyn propôs ao proprietário do famoso e bem frequentado restaurante Mocambo, em Nova Iorque, que contratassem Ella para se apresentar lá. Marilyn ocuparia uma mesa todas as noites.
” E assim a atriz o fez, ajudando a alavancar a frequência da casa para tornar mais conhecida uma das maiores divas do jazz. Miss Fitzgerald chegava ao Brasil em 1960, e, por aqui, a repercussão de sua visita e turnê foi estrondosa. Ibrahim Sued, um dos maiores nomes do jornalismo na época, não poupou elogios: a apresentação da diva no Golden Room do Copacabana Palace estava entre as mais espetaculares que já assistira. A estrela negra também se apresentaria em São Paulo, no palco do teatro do Hotel Jaraguá. Outro grande sucesso. Ella voltaria ao Brasil 11 anos depois. Em 1981, dedicaria um disco a Tom Jobim, interpretando magistralmente as canções do artista brasileiro, que muito admirava.
Katherine Duram
Em 1951 foi a vez da famosa bailarina afro-americana Katherine Duram se apresentar no palco do Teatro Municipal de São Paulo, um dos mais importantes do país. Coreógrafa, compositora, educadora e ativista destacada na luta pela igualdade racial nos Estados Unidos, Duram era conhecida como a “Rainha mãe da dança negra”. Criadora e dirigente da Katherine Duram Dance Company, a americana viajou pelos quatro cantos do mundo, formou e influenciou gerações de bailarinos. No Brasil, além de muitos aplausos em reconhecimento ao seu grande talento, a moça levou consigo na volta à sua terra natal uma constrangedora situação de discriminação. Diferentemente da recepção dada às estrelas internacionais de seu porte, um dos grandes hotéis de São Paulo, o Esplanada recusou ter Katherine como hóspede. Miss Duram, indignada, convocou a imprensa nacional, como explica Evânio: “A repercussão foi tão grande que atingiu jornais, revistas e até a televisão. Esta reivindicação da artista negra foi válida, pois, no mesmo ano, exatamente no dia 3 de julho de 1951, a Lei Afonso Arinos foi aprovada no Brasil, proibindo a discriminação racial em locais públicos.
Dorothy Dandridge
As comparações entre a linda e talentosa atriz e cantora negra norte-americana, Dorothy Dandridge e a platinum blonde mais famosa do mundo, Marilyn Monroe, eram inevitáveis. Dorothy era extremamente sensual, mas, atrás do glamour, assédio e sucesso que marcaram sua vida pública, sofria com desilusões amorosas, era deprimida, solitária e suicidou-se com apenas 41 anos. “Miss Dandridge se destacou de forma impressionante entre as atrizes de Hollywood que tinham pele clara e que era, a maioria delas, devido à beleza, sinônimo de bilheteria garantida”, conta o autor de Divas no Brasil.Primeira mulher negra a ser indicada pela Academia de Hollywood ao prêmio de melhor atriz, em 1952, por sua atuação em Carmem Jones, a versátil estrela afro-americana, que iniciara sua carreira atuando ao lado de Louis Armstrong, chegou ao Brasil em 1953. Vinha para apresentações no teatro Golden Room do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Profissional exigente e meticulosa, checava, nos ensaios, iluminação, figurino, palco, tudo. E, quando se abriam as cortinas, recebia o retorno de seu profissionalismo e talento com aplausos e ovações. No Brasil, conheceu e viveu um fugaz affair com o físico nuclear Oto Oppeinheimer, que ajudou no desenvolvimento da energia atômica e vivia na mira do FBI.
A linda afrodescendente também se entregou a uma paixão brasileira e sofreu com a desilusão amorosa: assim como muitas mulheres negras de diferentes nacionalidades, Miss Dandridge, apesar da fama, não queria ser apenas amante de um homem casado. Mesmo sendo ele um banqueiro brasileiro milionário que a cobria de mimos e presentes caros.
ALMADA, Sandra. As divas negras. RAÇA BRASIL. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/159/artigo239030-2.asp. Acesso em: 02/11/2011.
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